A ênfase dessa ultima frase pode parecer exagerada,
mas as palavras foram bem calculadas. O autor destas poucas
linhas, europeu de nascimento (dos rincões da Franca),
já teve a oportunidade de poder trabalhar não
só em Paris como tambem no Japão (Tóquio
e Nagoia) e nos Estados Unidos (Nova lorque), tendo organizado
exposicões em San Diego, Los Angeles, São
Francisco e Seattle, e também em Veneza, na Itália.
Essas experiências Ihe deram uma visão internacional,
evidentemente imperfeita, mas suficiente para Ihe permitir
afirmar que, antes de descobrir o cenário artístico
carioca, nunca havia encontrado um viveiro de talentos parecido,
reunido em uma única cidade.
A California (na verdade o mais coerente
seria se falar da Costa Oeste americana) pode ser comparável.
Mas seria um estado (ou estados), e não apenas uma
única cidade. Existe uma pulverização
dos artistas, que vivem espalhados por diversos lugares ou
mesmo partiram de lá: James Turrell, Bill Viola, Chris
Burden, Paul McCarthy, Bruce Nauman, Charles Ray e Richard
Serra, para citar apenas alguns dos nomes mais conhecidos.
Não existe, portanto, uma concentração
extraordinária de artistas de primeiro time, como a
que encontramos no Rio de Janeiro.
Nova lorque? Capital do mundo? Abro aqui
um parenteses para lembrar a resposta do prefeito de Roma
a Rudolf Giuliani, prefeito de Nova lorque, durante uma reunião
de prefeitos das principais cidades: « Nova lorque é
sem dúvida a capital do mundo, mas eu sou o prefeito
da Cidade Eterna! » Excluindo-se alguns grandes nomes,
de certa forma já históricos, como Rauschenberg
e Joseph Kosuth, as visitas aos ateliês são,
na maioria das vezes, bastante decepcionantes. Muitos dos
artistas não term uma bagagem cultural suficientemente
sólida para Ihes dar o recuo necessário. Sua
arte é geralmente datada e por demais influenciada
pelo ambiente ao seu redor. Acredito que, graças a
ela, os etnologos de geracões futuras não terão
muita dificuldade em delinear uma paisagem completa da sexualidade
e de todos os seus desvios na ultima parte do século
XX! Não pretendo com estas observacões fazer
uma analise da cena artística de Nova lorque; gostaria
apenas de tentar desmistificar uma cidade imbatível
em seu dinamismo, mas onde, a nosso ver, a cena artistica
em termos de artes plásticas já não é
mais a melhor do mundo. Isto sem mencionar que muitos artistas
apenas passam por Nova lorque, onde vivem momentos trepidantes
e, depois de algum tempo, sentem-se sugados e com necessidade
de voltar as suas origens, deixando para trás uma cidade
que pode ser por demais carreirista.
Paris? Paris capital das artes? Nunca seria
demais destacar a importância histórica de Paris
como pólo de atração dos maiores artistas
internacionais. Porém nenhum lugar pode deter o monopolio
da criação apenas por herança: isto seria
esquecer que a cada geração deve haver urn recomeço.
Após alguns anos que podem ser descritos como de recuo,
Paris vive hoje um processo de renovação muito
interessante e, sem dúvida, mereceria um projeto de
livro similar a este. Seria interessante ver os ateliês
de Marie-Ange Guilleminot, Fabrice Hybert, Pierre Huyghe,
Dominique Gonzalez-Foerster, Xavier Veilhan, Jean-Marc Bustamente
e outros, sem mencionar muitos outros artistas fabulosos.
A maior diferenca entre Paris e o Rio é a tradição
francesa de acolher artistas de origem estrangeira. A Escola
de Paris, já na primeira parte do seculo XX, era um
exempio perfeito. Hoje, um artista estrangeiro, depois de
passar cinco anos consecutivos na França, se beneficia
de todos os direitos e vantagens de um artista nascido lá:
bolsas de estudo, residencias de artistas, etc. Isto sem duvida
contribuiu para atrair artistas de talento como Chen Zhen,
Malaki Farrell e Anri Sala (que será um dos representantes
da França na Bienal de São Paulo de 2002), entre
outros, exemplos vivos dessa politica.
Londres? A famosa escola de Londres? Talvez
fosse melhor passar rápidamente por esta pseudocriatividade
montada inteiramente por um punhado de pessoas muito hábeis
que souberam manipular o mercado das artes de modo a projetar
muito rapidamente certos artistas ingleses, dando-lhes uma
visibilidade exagerada. A situação atual nos
deixa saudosos da poesia da geração do Land
Art ou do trabalho de grandes artistas, tais como Francis
Bacon. Sem dúvida Londres se apresenta como um prato
que pode ser escolhido, porém mais parecido com um
sufle que pode murchar mais cedo do que se espera. O mesmo
pode ser dito em relação ao movimento da transvanguarda
que aconteceu na Itália e desapareceu sem deixar vestígios.
O leitor já deve ter compreendido
que, em tão poucas linhas, se pode apenas esboçar
uma caricatura, sendo o objetivo dar início aqui a
um debate mais profundo. A idéia foi tentar levantar
alguns pontos que pudessem localizar dentro do contexto mundial
a cena artística do Rio de Janeiro, obtendo assim alguns
elementos de comparação. Com relação
ao título deste livro, afastamos voluntariamente qualquer
comentário sobre outras cidades brasileiras, que mereceriam
tratamentos diferenciados.
O Rio de Janeiro, como dissemos anteriormente,
é um dos cenários artísticos mais brilhantes
do mundo. Quando falamos de um viveiro, queremos ressaltar
a ideia de vida e abundância. Dentro de um viveiro existem
familias que se reproduzem. Desta forma, alguns "precursores"
criaram uma especie de genealogia. Pensamos de modo especial
em Helio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape. Seus "filhos
naturals" fizeram eles mesmos "escola". Citaria
Tunga, Cildo Mereiles e Artur Barrio, que nos levam a considerar
o trabalho de, por exempio, Jose Damasceno, Cabelo e Ernesto
Neto. É um fenomeno que, em nossa opinião, se
tornou suficientemente excepcional para merecer uma menção.
A maior parte dos artistas abordados neste livro faz parte
do cenario artistico mundial e está representada nas
grandes galerias internacionais (Antonio Dias, Cildo Meireles,
Waltercio Caldas, Tunga, Adriana Varejão, Beatriz Milhazes,
Ernesto Neto, Rubens Gerchman, Daniel Senise). Eles estão
também presentes nas grandes manifestacões como
as bienais de arte, a Documenta, as feiras, (Tunga, Waltercio
Caldas, Cildo Meireles, Ernesto Neto, Cabelo) ou nelas estarão
em breve: é o caso de José Damasceno, que irá
expor na abertura do futuro Palais de Tokyo de Paris.
A "excepcionalidade" desses artistas
pode ser definida por dois pontos: o primeiro é a grande
bagagem cultural de todos eles. Os artistas cariocas possuem
muitas vezes outros centros de interesse além da arte.
Vários se interessam pela literatura, pela música,
pela matemática; caracteristicas que embasam ainda
mais o seu trabalho. Não raro falam varias linguas.
São dados que mostram uma abertura de espirito que
é excepcional e que nem sempre se encontra em outros
cenários artisticos.
O segundo ponto é a postura que,
de modo geral, eles tem diante de suas carreiras, numa nocão
equilibrada do tempo. Eles estão bem em seus mundos.
Sem rejeitar as propostas que chegam a eles, e que aceitam
de bom grado, não perdem o foco de seu trabalho procurando
participar de exposições. Não existe
uma busca desenfreada por uma carreira. É uma vida
passada a service da arte.
É por tudo isso que a chance de visitar,
através deste livro, os ateliês dos artistas
do Rio de Janeiro é uma experiência única.
Marc Pottier